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domingo, 19 de abril de 2009

Euclides volta ao Estadão. Em grande estilo


O pré-modernista Euclides da Cunha (1866-1909) saiu como correspondente de guerra d'O Estado de São Paulo para cobrir a Revolução de Canudos. Inicialmente, ele pensava que esta insurreição no nordeste da Bahia era uma campanha financiada pelos monarquistas. Suas observações in loco, porém, fizeram com que ele revisse suas posições e forneceram material para a obra que o imortalizou na literatura brasileira: Os Sertões. O centenário de sua morte e o processo de escrita do livro, comemorados pelo Estadão, são abordados no artigo abaixo. O texto foi publicado originalmente no portal Observatório da Imprensa, espaço voltado para a análise crítica da imprensa brasileira. — Walter Dos Santos



por Alberto Dines


Há tempos que nossa imprensa não consegue organizar uma efeméride com tanta inteligência e propriedade. O centenário da morte de Euclides da Cunha deveria ser lembrado no próximo dia 15 de agosto (sábado), mas o Estado de S.Paulo preferiu encarar a tarefa com uma saudável disposição jornalística.

No lugar das maçarocas habituais que serão empilhadas junto aos interessantíssimos "cadernos especiais" que nunca são lidos, a direção do jornalão preferiu produzir uma temporada euclideana iniciada em março e que poderá estender-se até o fim do ano.

Euclides da Cunha é um banquete para todos os gostos: os fãs de dramas sentimentais e tragédias gregas já foram regalados com o seriado da Globo (Desejo) apresentando em 1990 (reprisado em 1995-1996). A sangrenta e shakespeariana tragédia em Piedade (ou A Tragédia da Piedade ou ainda Uma Tragédia Brasileira), passional e patética, sem vilões, quanto mais lembrada mais compaixão desperta.

O soberbo Os Sertões, os livros subseqüentes, os relatos sobre o Alto Purus e a obra póstuma trazem um tom telúrico que contrasta vivamente com a noção amena de "Brasil brasileiro, mulato inzoneiro".

ESCRIVÃO CAMINHA RECOMENDA VISITAR
Euclides da Cunha: Wikipédia e Casa de Cultura Euclides da Cunha.
Os Sertões: Wikipédia e Guia do Estudante.
O autor e a obra: Academia Brasileira de Letras, Vidas Lusófonas e TV Cultura .
A Guerra de Canudos: Wikipédia, Portal Terra e Portfolium — Laboratório de Imagens.

Reportagem e reedição

As rememorações do Estadão começaram com a série de reportagens realizadas por Daniel Piza e Tiago Queiroz (fotos), no início de março, no território percorrido por Euclides no Alto Purus. E prosseguiram auspiciosamente na edição de domingo (12/4, caderno Cultura, pág. D-14) com o início da republicação de todos os textos e reportagens produzidos a convite do amigo-camarada Júlio Mesquita na antiga A Província de S. Paulo (hoje O Estado de S. Paulo).

Com ortografia atualizada e comentados por Walnice Nogueira Galvão – nossa euclidista mor –, os textos de Euclides deixam a primeira página do jornal para ganhar uma dimensão poligráfica, cósmica, que talvez não tivessem em 1888 (quando começaram a ser publicados).

O primeiro texto ("A Pátria e a Dinastia"), de 22 de dezembro de 1888, soa como um ensurdecedor ataque ao monarquismo pouco antes da sua derrubada. Ensurdecedor porque o fraseado e o palavreado são tão elaborados que lembram o clangor de uma poderosa banda marcial cuja força é perceptível, mas não seus acordes.

Graças ao Estadão estamos percorrendo um fascinante museu da imprensa e da cultura, examinando um texto perfeitamente entendido pelos 1.200 leitores que compraram a primeira edição de Os Sertões (1902), convertido 121 anos depois num quase enigma idiomático. A primeira frase tem doze linhas (nas medidas de hoje), três vírgulas, cinco adjetivos, dois advérbios de modo. E apesar do emaranhado gongórico, arrasadora.

Euclides e Hipólito

Esta viagem pelo jornalismo do fim do século 19 é um complemento à releitura do texto de abertura da edição de junho de 1808 do Correio Braziliense. Os dois autores, Hipólito da Costa e Euclides da Cunha, nasceram com uma diferença de 92 anos (1774 e 1866, respectivamente) e exibem curiosas semelhanças.

Polígrafos, multidisciplinares, um era maçom e o outro, positivista. Hipólito era um atento observador das transformações do seu tempo, anticlerical, antiescravista, fascinado pela ciência e novas tecnologias, democrata (admirador da revolução norte-americana, porém sem coragem de assumir-se antimonarquista). Euclides era um cientista, darwinista, filósofo, convicto democrata, ferrenhamente republicano, pan-americanista.

A convergência que nos interessa é a relação com o jornalismo. Hipólito é o pai do jornalismo brasileiro e seu primeiro teórico. Euclides é o primeiro grande repórter, testemunha ocular e, ao mesmo tempo, pensador.

Jornalistas? No tempo de Hipólito, as palavras journalisme (em francês) e jornalismo não haviam sido cunhadas. No tempo de Euclides, o jornal era composto por uma soma enorme de informações telegraphicas, entremeadas por opiniões, geralmente veementes. Alguns estudiosos – como a própria Walnice Nogueira Galvão – afirmam que Euclides da Cunha escrevia em jornal, mas não era propriamente um jornalista.

Em breve conheceremos os seus despachos sobre a quarta expedição contra Antônio Conselheiro em Canudos (1897) e estaremos em condições de julgar se são reportagens ou literatura. Ou – melhor ainda – se são um produto transgênico, combinação de jornalismo e literatura. Euclides seria assim o expoente de um new journalism gorado, que não chegou a maturar porque o autor, para sobreviver, precisou dedicar-se a outras atividades.

O Estadão está oferecendo a jornalistas e leitores uma esplêndida oportunidade para degustar um vintage da melhor qualidade. Num tempo em que as vindimas são tantas e inexpressivas que ninguém as distingue.
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