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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Como os adventistas encaram a política

por Alberto Ronald Timm*


Notícias sobre crises políticas e corrupções governamentais acabam polarizando a opinião pública dos países afetados. É curioso ver, de um lado, políticos questionáveis se fazendo de vítimas para continuar recebendo o apoio popular e, do outro lado, oposicionistas que aproveitando a situação para se autoproclamarem os únicos salvadores da pátria. Ao mesmo tempo em que vários políticos tradicionais vão perdendo a credibilidade, algumas denominações evangélicas têm-se mobilizado politicamente, a ponte de montarem sua próprias bancadas em câmaras de vereadores, nas assembléias legislativas na Câmara dos Deputados e mesmo no Senado Federal, sob o pretexto de que os políticos evangélicos são mais honestos e confiáveis.

A crescente militância política evangélica tem suscitado algumas indagações importantes entre os próprios adventistas:
1ª) Deveriam os adventistas continuar politicamente passivos ou assumir uma postura mais agressiva diante das crises governamentais?
2ª) Como a Igreja Adventista do Sétimo Dia encara a candidatura de alguns de seus membros a cargos políticos através de eleições públicas?
3ª) Que critérios devem ser usados na escolha dos candidatos em quem votar?
No capítulo "Nossa Atitude Quanto à Política” do livro Obreiros Evangélicos, págs. 391-396 (ver também Fundamentos da Educação Cristã, págs. 475-484), podem ser encontradas importantes orientações sobre o não envolvimento de obreiros denominacionais em questões políticas. Já o presente artigo menciona alguns conceitos básicos sobre a posição dos adventistas como cidadãos, candidatos e eleitores políticos.

Organização apolítica

Existem pelo menos três princípios fundamentais que regem a posição da Igreja Adventista do Sétimo Dia sobre a política. Um deles é o princípio da separação entre Igreja e Estado, levando cada uma dessas entidades a cumprir suas respectivas funções sem interferir nos negócios da outra. A Igreja crê que só poderá preservar esse princípio por meio de uma postura denominacional apolítica, não se posicionando nem a favor e nem contra quaisquer regimes ou partidos políticos. Essa postura deve caracterizar, não apenas a organização adventista em todos os seus níveis, mas também todas as instituições por ela mantidas, todas as congregações adventistas locais, bem como todos os obreiros assalariados pela organização.

A Igreja encontra nos ensinos de Cristo e dos apóstolos base suficiente para evitar qualquer militância política institucional. O cristianismo apostólico cumpria sua missão evangélica sob as estruturas opressoras do Império Romano sem se voltar contra elas. O próprio Cristo afirmou que o Seu reino "não é deste mundo" e que, por conseguinte, os Seus "ministros" não empunham bandeiras políticas (João 18:36). Qualquer com promisso político ou partidário por parte da denominação dificultaria a pregação do "evangelho eterno" a todos os seres humanos indistintamente (Mat. 24:14; Apoc. 14:6).

Outro princípio fundamental é que o nível de justiça social de um país é diretamente proporcional ao nível de justiça individual de cada um dos seus cidadãos, e que esta justiça individual, por sua vez, deriva do interior da própria pessoa. Reconhecendo as dimensões sociais do pecado, a Igreja apóia e mesmo participa de projetos so ciais e educacionais que beneficiam a vida comunitária sem conflitarem com os princípios bíblicos. Muitos desses projetos são levados a efeito em nome da ADRA - Agência de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais. No entanto, a Igreja não participa de quaisquer greves e passeatas de índole política e partidária que acabariam com prometendo sua postura apolítica.

A validade de uma perspectiva que parta do interior para o exterior do ser humano é destacada por Cristo ao afirmar que "de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura" (Mar. 7:21, 22). Consequentemente, a solução cabal para esses problemas não está na mera formulação de novas leis ou no ativismo revolucionário, e sim, na conversão interior do ser humano. Nas palavras de Cristo, "limpa primeiro o interior do copo, para que também o seu exterior fique limpo!" Mat. 23:26.

Um terceiro princípio fundamental é que cada cristão adventista possui uma dupla cidadania ele é, acima de tudo, cidadão do reino de Deus e, em segundo plano, cidadão do país em que nasceu ou do qual obteve a cidadania. Consequentemente, deve exercer sua cidadania terrestre com base nos princípios cristãos de respeito ao próximo. Mesmo desaprovando situações de injustiça e exploração social, a Igreja Adventista do Sétimo Dia procura se relacionar respeitosamente com o governo civil e os partidos políticos de cada país em que exerce suas atividades, sem com isso comprometer os princípios bíblicos.

Que o cristianismo não isenta os cristãos dos seus deveres civis é evidente na ordem de Cristo: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” Mar. 12: 17. O Novo Testamento apresenta várias orientações a respeito do dever cristão de honrar os governos civis como instituídos por Deus (ver Rom. 13:1-7; Tito 3:1 e 2; I Pedro 2:13 17). Somente quando tais governos obrigam seus súditos a transgredirem as leis divinas é que o cristão deve assumir a postura de que "antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (Atos 5:29).

Candidatos adventistas

Entre os direitos do cristão adventista no exercício de sua cidadania, está o de ocupar cargos políticos. O Antigo Testamento menciona vários membros do povo de Deus que exerceram funções de grande projeção no governo de importantes nações pagãs da época. Por exemplo, José foi por muitos anos primeiro-ministro do Egito, a mais importante nação da época (Gên. 41:38-45). Colocado por Deus sobre o trono daquele país (Gên. 45:7, 8), José se manteve "puro e imaculado na corte do rei"; e foi "um representante de Cristo" aos egípcios (Medicina e Salvação, pág. 36; Patriarcas e Profetas, págs. 368-369). Daniel exerceu importantes cargos governamentais em Babilônia sob o reinado de Nabucodonosor, Belsazar, Dario e Ciro (Dan. 2:48, 49; 5:11,12,29; 6:1-3, 28; 8:27). Com um apego incondicional aos princípios divinos, Daniel e seus companheiros foram embaixadores do verdadeiro Deus na corte desses reis (ver Dan. caps. 1, 3 e 6).

A postura de José e Daniel nas cortes pagãs do Egito e de Babilônia, respectivamente, corrobora o fato de que é possível ser cristão sob governos não comprometidos com a religião bíblica. Mas o aprisionamento de José (Gên. 39:7-23), o teste alimentar de Daniel e seus três companheiros (Dan. 1), a passagem desses três companheiros na fornalha de fogo (Dan. 3) e a experiência de Daniel na cova dos leões (Dan. 6) comprovam que há um preço elevado a ser pago por aqueles que ocupam cargos públicos em ambientes hostis à verdadeira religião. O exemplo do rei Salomão deixa claro que boas intenções iniciais (II Crôn. 1:1-13) podem ser corrompidas pela influência de ambientes vulgares (I Reis 11:1-15). Já a atitude do rei Ezequias para com a embaixada de Babilônia comprova que governantes tementes a Deus correm o risco de se orgulharem de suas próprias consecuções (II Reis 20:12-19).

É interessante notarmos que José e Daniel foram nomeados para suas funções públicas pelos próprios monarcas da época. Mas hoje, na maioria das democracias modernas, as pessoas precisam se candidatar e concorrer a tais funções em um processo bem mais competitivo. O fato de existirem políticos corruptos não significa que todo político seja corrupto. Embora a Igreja Adventista do Sétimo Dia, normalmente, não encoraje e nem desestimule a candidatura política dos seus membros, ela também reconhece que a sociedade contemporânea tem sido beneficiada pelo bom exemplo de alguns políticos adventistas que concorrem honestamente a determinados cargos públicos e os exercem dignamente, sem comprometerem com isso os princípios bíblicos. A influência positiva de políticos adventistas tem sido decisiva, em vários países, para o estabelecimento de legislações que facilitem a observância do sábado.

A Igreja espera que os adventistas que se candidatam a cargos políticos elegíveis sejam honestos em sua campanha e, se eleitos, também no exercício de suas funções políticas. Cada candidato deve conduzir o seu processo eleitoral-político:

(1) sem assumir posturas ideológicas e partidárias contrárias aos princípios cristãos; 
(2) sem se valer de recursos financeiros ina propriados; 
(3) sem prometer o que não possa cumprir; 
(4) sem denegrir a reputação de outros candidatos igualmente honestos; 
(5) sem se envolver com coligações não condizentes com a fé cristã-adventista; 
(6) sem jamais comprometer a observância do sábado em suas campanhas; e 
(7) sem minimizar seu compromisso pessoal com o estilo de vida adventista em coquetéis e confraternizações sociais.

Conheço igrejas locais que enfrentaram sérias desavenças internas pelo fato de alguns dos seus membros se candidatarem a vereadores por partidos rivais. É certo que os membros da igreja têm o di­reito, como cidadãos, de se candidatarem e concorrerem a cargos elegíveis, bem como de procurarem convencer outros a neles votarem. Mas nenhuma programação oficial de qualquer congregação adventista deve ser usada como plataforma política que comprometa a postura apolítica da denominação. Candidatos adventistas que usam eventualmente o púlpito devem pregar o evangelho, sem jamais falar sobre política. Deus poderá abençoar ricamente os candidatos que exercerem honestamente sua cidadania, respeitando a posição apolítica da igreja e de seus obreiros, e promoverem a cordialidade e a unidade de nossas congregações.

Eleitores adventistas
Os membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia devem reconhecer ser seu dever individual escolher cons cientemente em quem votar. O princípio básico é sempre votar em candidatos cuja ideologia, crenças, estilo de vida e propostas políticas estejam mais próximos dos princípios adventistas. Entre os princípios mais importantes estão: 

(1) liberdade religiosa, 
(2) separação entre Igreja e Estado, 
(3) observância do sábado, 
(4) conduta moral, 
(5) temperança cristã, 
(6) apoio ao sistema educacional privado mantido pela Igreja, e a 
(6) tentativa de melhorar a qualidade de vida das classes moral e economicamente desfavorecidas. 

A posição da Igreja Adventista do Sétimo Dia sobre algumas dessas questões é enunciada no livro Declarações da Igreja (Tatuí, SP: CPB, 2003).

Ellen White adverte contra votar em candidatos sem compromisso com a liberdade religiosa: 
"Não podemos, com segurança, votar por partidos políticos; pois não sabemos em quem votamos. Não podemos, com segurança, tomar parte em nenhum plano político. Não podemos trabalhar para agradar a homens que irão empregar sua influência para reprimir a liberdade religiosa, e pôr em execução medidas opressivas para levar ou compelir seus semelhantes a observar o domingo como sábado. O primeiro dia da semana não é um dia para ser reverenciado. É um falso sábado, e os membros da família do Senhor não podem ter parte com os homens que o exaltam, e violam a lei de Deus, pisando Seu sábado. O povo de Deus não deve votar para colocar tais homens em cargos oficiais; pois assim fazendo, são participantes nos pecados que eles co metem enquanto investidos desses cargos". – Fundamentos da Educação Cristã, pág. 475.
Um dos maiores problemas na escolha de candidatos é a teoria de que "os fins justificam os meios". Se determinado candidato, mesmo sem compromisso com os princípios acima mencionados, promete beneficiar financeira ou politicamente a Igreja, alguns líderes julgam pertinente apoiar tal candidato em troca desses favores. Mas esse tipo de barganha política jamais deveria ser tolerado nos meios adventistas. Acima de quais quer benefícios coletivos ou individuais, deve estar o compromisso com os princípios adventistas.

Outro aspecto de especial interesse para os eleitores adventistas é a votação ou não em candidatos adventistas. Alguns creem equivocadamente que, votando em candidatos adventistas, estariam ao mesmo tempo promovendo a liberdade religiosa e postergando os eventos finais. Mas é dever de todo cristão adventista exercer sua influência em favor da liberdade religiosa (Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 375; Testemunhos para Ministros, págs. 200-203), contribuir positivamente para a finalização da pregação do evangelho (Mat. 24:14; 28:18-20), e deixar os eventos finais por conta de Deus (Atos 1:6-8).

Como membros do corpo de Cristo (I Cor. 12:12-31), deveríamos acabar com a falsa teoria de que "adventista não deve votar em adventista". Essa teoria só é aplicável a candidatos que não vivem uma vida condizente com os princípios adventistas ou cuja candidatura visa apenas a obter benefícios pessoais, sem uma proposta política adequada. Mas, por outro lado, se os candidatos adventistas são os que mais próximo se encontram dos princípios que sustentamos e se eles possuem boa proposta política, então, não existe qualquer justificativa plausível para se descartar tais candidatos simplesmente por serem adventistas.

Deveria ser considerada também a questão das eleições no sábado em países onde a votação é obrigatória. Este assunto foi tratado por Mário Veloso em seu artigo "Os adventistas e a eleição no sábado" na Revista Adventista (Brasil), julho de 1986, págs. 19-20. Embora a Igreja Adventista do Sétimo Dia não discipline os membros que, por iniciativa pessoal, votem durante as horas do sábado, a recomendação é que isso seja evitado. O referido artigo foi escrito como um apelo aos políticos brasileiros para que houvesse um "prolongamento das horas para o exercício do voto, de tal maneira que os adventistas possam votar depois do pôr-do-sol do sábado". A declaração de que Ellen White votaria até mesmo "no sábado" diz respeito à causa da temperança, ou seja, à lei seca de proibição da venda de bebidas alcoólicas, em Des Moines, Iowa, em 1881 (ver Arthur L. White, Ellen G. White, vol. 3, págs. 158-161). Mas essa declaração não provê qualquer endosso a votação política em dia de sábado.

Conclusão
A Igreja Adventista do Sétimo Dia sempre manteve uma posição oficial apolítica de não se posicionar a favor ou contra qualquer regime ou partido político. Essa posição é mantida em todos os níveis organizacionais e institucionais da denominação, inclusive em suas congregações locais. Os obreiros assalariados pela denominação devem manter a mesma postura. Consequentemente, nenhum púlpito adventista e nenhuma reunião promovida oficialmente pela denominação jamais deveria desfraldar qualquer bandeira política. Ele é um lugar onde o evangelho eterno deve ser proclamado com o propósito de conduzir à salvação em Cristo pessoas de todas as etnias e de todos os partidos políticos, sem preferências e discriminações.

Por contraste, a Igreja faculta aos seus membros o direito individual de exercer sua cidadania, inclusive a de se candidatar a cargos políticos e de exercê-los dignamente. Tanto no processo eleitoral como no exercício da função, espera-se que cada adventista engajado em tais atividades mantenha uma postura digna de verdadeiro cristão adventista. Todos os políticos adventistas deveriam considerar a José e Daniel como seus modelos políticos. Deveriam sentir ser seu dever zelar pessoal e publicamente pela liberdade religiosa e pelos princípios cristãos em um mundo carente dos valores absolutos da verdadeira religião bíblica.

Todos os membros da igreja deveriam votar conscientemente nos candidatos que melhor refletem os ideais adventistas. A escolha dos candidatos não deveria ser tanto por partido político, mas pela ideologia e os valores pessoais de cada um. Candidatos adventistas não deveriam ser discriminados simplesmente por serem adventistas, exceto se não demonstram uma conduta digna ou não possuam um plano de governo adequado. O voto de cada adventista deveria ser um testemunho autêntico a favor da liberdade religiosa que facilite o cumprimento da missão adventista nestes dias finais da história humana.

*O Pr. Alberto Ronald Timm, Ph.D, é professor de Teologia Histórica do Centro Universitário Adventista de São Paulo, Campus Engenheiro Coelho, e diretor do Centro de Pesquisas Ellen G. White. Artigo publicado originalmente no site Advir.com, com o título "Os Adventistas e a Política".

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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O cristão e a política

por Bert B. Beach*

Desde o nascimento da igreja cristã, estas questões têm sido debatidas vez após vez: Qual é o papel do cristão na política? Pode um membro ou a própria igreja envolver-se em política? Como deviam se relacionar com o governo e com as autoridades políticas?

Alguns adventistas do sétimo dia acham que a igreja não desempenha nenhum papel político, e o cristão individual, no máximo, uma parte minúscula. Esta opinião funda-se sobre o conceito de que o reino de Cristo não é deste mundo. Outros adventistas insistem que tanto indivíduos como a igreja têm responsabilidades sociopolíticas incontestáveis para melhorar as condições de vida. Alguns cristãos vão mais longe e pretendem que a tarefa principal do cristianismo é trabalhar para criar uma ordem política cristã que resulte no estabelecimento do reino de Deus na Terra. Entre uma e outra, há todo uma gama de opiniões.

O exemplo de Cristo


Jesus raramente mencionou o tipo de sociedade política à qual Seus discípulos deviam aspirar. Ele não pretendeu ser um reformador sociopolítico. Ele não enunciou nenhuma plataforma política. As tentações no deserto tinham uma dimensão claramente política e Ele as resistiu. Embora Ele tivesse mais de uma oportunidade para apoderar-Se do governo da sociedade por uma espécie de golpe de estado (ex.: o alimentar a multidão e a entrada triunfal em Jerusalém), Ele não escolheu esta opção.

Ao mesmo tempo, os ensinos de Jesus não podiam deixar de ter uma influência sociopolítica ao serem observados pela comunidade cristã. Ele ofereceu boas novas aos pobres, liberdade para os oprimidos e vida abundante (João 10:10). Portanto, os adventistas, seguindo o exemplo de cristãos através dos séculos, precisam reconhecer sua responsabilidade social. Os pioneiros adventistas pregavam não só o evangelho de salvação individual, mas também se preocupavam com alcoólatras, escravos, mulheres oprimidas e as necessidades educacionais de crianças e jovens.

A base bíblica de responsabilidade socio-política


A responsabilidae socio-política cristã baseia-se sobre dois fundamentos bíblicos. Primeiro, a doutrina da Criação. Deus criou ex nihilo o Universo e nos designou como os mordomos deste mundo. Mordomia implica tanto em responsabilidade como prestação de contas pelo domínio sobre o qual tem jurisdição.

Segundo, a doutrina do homem. Os seres humanos são criados à imagem de Deus. Os parâmetros da responsabilidade humana de servir jazem dentro deste conceito bíblico da natureza humana. A visão cristã é que homens e mulheres não são uma espuma sobre o mar da vida, mas pessoas com um papel responsável a desempenhar e com um futuro promissor. O potencial humano confere propósito, direção e otimismo a cristãos a serviço de outros num contexto comunitário.

Assim, o cristianismo não é uma religião de individualismo isolado ou de introversão; é uma religião de comunidade. Os dons e as virtudes cristãs têm implicações sociais. Devoção a Jesus Cristo significa devoção a todos os filhos de Deus, e devoção gera responsabilidade pelo bem-estar de outros.

O dilema de uma dupla cidadania

Cristãos sinceros confrontam o dilema de uma dupla cidadania. De um lado eles pertencem ao reino de Deus, e do outro, a sua terra natal. São parte da “nova humanidade” e vivem no meio da “velha humanidade”. Há aqui um conflito inerente? Precisa a juventude adventista do sétimo dia escolher uma cidadania e renunciar à outra? Não há dúvida de que ocasionalmente possa haver conflito quando as exigências ou deveres de uma cidadania colidem com os da outra. Em tais casos as Escrituras são claras: “Antes importa obedecer a Deus do que aos homens” (Atos 5:29).

Não obstante, o reino de Deus não se encontra isolado deste mundo; “está entre vós” (Lucas 17:21). Em outras palavras, o reino de Deus é uma esfera, um comprometimento, uma atitude e um modo de vida e pensar que permeia a toda nossa existência e que dá um sentido especial à cidadania nacional. É a soberania de Deus invadindo o viver humano.

Nada fazer é ação política

A organização política da sociedade é a provisão divina para a humanidade caída. Deus não pede que as pessoas corretas se distanciem do processo político de governo e deixem o controle sociopolítico e econômico nas mãos dos “malfeitores”. Os cristãos devem ser o sal e a luz do mundo social, e portanto não podem simplesmente se afastar do processo político. Com efeito, tal abdicação é em si mesma uma ação política que abre o caminho para o controle político para aqueles que não apóiam valores cristãos. “Nada fazer” é uma receita certa para o pecado ficar senhor da situação. Os adventistas têm tanto o direito como o dever de usar a cidadania terrestre para manter a igreja livre para cumprir seu mandato divino e ajudar como indivíduos a atender às necessidades sociais gritantes.

Deveres de cidadania política

Os adventistas do sétimo dia confrontam pelo menos quatro deveres da cidadania política.

Primeiro, o dever de orar a favor dos que exercem autoridade governamental. Precisamos orar por auxílio divino para resolver alguns dos problemas sociopolíticos que afetam negativamente a vida humana e a proclamação do evangelho. As orações e súplicas dos fiéis ascendem muito mais alto do que as declarações e ações políticas que enchem montanhas de papel reciclável.

Segundo, o dever de votar e de fazer petições às autoridades no poder. Os adventistas devem votar mesmo quando a escolha seja entre o menor de dois males. Em conexão com isto, a obtenção do título de eleitor é o primeiro passo.

Terceiro, o dever de educar-se e informar-se. Os adventistas, não menos que outros cidadãos, devem instruir-se continuamente quanto a questões que afetam a vida presente e futura. Ignorância política não aumenta a felicidade espiritual.

Quarto, o dever de candidatar-se e ocupar cargos públicos. Os adventistas têm este direito constitucional. Há também designação para cargos governamentais que não envolvem campanha eleitoral. Ellen White afirma que não há nada errado na aspiração de “sentar em conselhos deliberativos e legislativos e ajudar votar leis para a nação” (Ellen G. White, Mensagens aos Jovens, pág. 36). Contudo, ela aconselha que ministros e professores empregados pela igreja se abstenham de atividades políticas partidárias (Ellen G. White, Obreiros Evangélicos, págs. 391-395). A razão que ela dá é bem clara: política partidária pode criar divisões. Um pastor poderia facilmente dividir uma congregação e enfraquecer grandemente sua habilidade de servir como pastor de todo o rebanho, tomando partido.

Perigo de envolvimento político

Tendo salientado a responsabilidade e privilégios da cidadania, torna-se necessário advertir contra o perigo de envolvimento político tanto do indivíduo como da igreja. Os adventistas, como outros cristãos, podem ser enganados por César. Sucesso na política envolve compromisso, exaltação própria, ocultar fraquezas e desempenhar papéis partidários. Às vezes torna-se necessário aceitar expedientes que não se enquadram com as melhores convicções morais. A política é um patrão exigente e absorvente. Os políticos cristãos caminham sobre uma corda bamba. Devem evitar contaminar-se com a qualidade irônica e absorvente do ativismo político que pode rebaixar seus esforços a um nível em que Deus parece não envolver-Se nos assuntos humanos.

Há um perigo crescente de as igrejas se envolverem em política. Isto leva à interpretação da fé e do evangelho cristãos em termos de valores políticos. O interesse em muitas igrejas parece ter-se transferido da moralidade individual à moralidade social. O resultado é que, em certos segmentos da sociedade eclesiástica, idéias seculares começam a moldar os valores cristãos de modo a haver pouca diferença entre o secular e o sagrado. É triste constatar que amiúde as atitudes de cristãos são as mesmas da sociedade em geral.

Envolvimento circunspecto da igreja

O que acabamos de dizer aponta à necessidade de um envolvimento político judicioso. Uma igreja mundial, com milhares de instituições, dez milhões de membros adultos e muitos interessados, não pode evitar contato com o Estado e o envolvimento político. Não somente pessoas, mas também organizações eclesiásticas, têm direitos e responsabilidades. A igreja tem o direito de intervir no caso de legislação ou ações regulatórias, tanto positivas como negativas, que afetem a missão da igreja.

A igreja não deve jamais (e jamais é um termo forte) identificar-se com um partido político particular ou com um sistema político. Uma identificação tal pode de início trazer um privilégio temporário rápido, mas inevitavelmente arrastará a igreja pela rampa descendente que leva a uma paralisia de sua ação evangelística e profética. Em suma, “a igreja deve ser a igreja”, e não uma agência social. Sua iniciativa mais prometedora para mudar a sociedade é transformar indivíduos, gente. Os adventistas do sétimo dia cumprem, numa estrada de mão dupla a missão de Deus no mundo: evangelismo e serviço.

*Bert B. Beach (Ph.D., Universidade de Paris, Sorbonne) é o diretor de relações entre igrejas da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia. Este artigo foi publicado originalmente na revista Diálogo Universitário.
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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Deus amou o mundo. Não tente fazer o mesmo

por Marco Aurelio Brasil

"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu único filho..." Deus amou o mundo. O mundo inteiro. Com suas imperfeições todas. Com sua multiplicidade interminável. Com seus africanos e seus escandinavos, seus orientais e seus caucasianos; com budistas e cristãos, satanistas, muçulmanos e espíritas; com altos e baixos, ricos e pobres, cultos e incultos. Deus amou o mundo todo. E, embora Ele tenha vivido entre nós e solicitado que O imitássemos em tudo, nesse quesito específico Ele pediu uma outra coisa. Ele não quer que amemos o mundo. Ele quer que amemos o próximo.

Nós temos abusado da palavra amor. Você diz para alguém que o ama, e dez minutos depois diz que ama cocada ou um par de sapatos. Quando Deus diz que amou o mundo Ele está empregando o primeiro sentido da palavra, ou provavelmente bem mais que isso, porque mesmo para pessoas usamos a palavra amor de forma trivial. O amor de Deus não é trivial. É do tipo que renega a tudo o mais em nome do objeto amado. É do tipo que se diminui, se deixa torturar, cuspir, ridicularizar, xingar e matar.

Portanto, o amor segundo Deus não é algo que se possa reduzir a um mero sentimento. O amor segundo Deus não pode ser "platônico". O amor segundo Deus não é algo abstrato, que pode ser encapsulado na subjetividade do amante, sem reflexo em suas ações, suas prioridades, sua atitude.

Raiz Coral - A Caridade

Acho que é exatamente por isso que Ele não nos pede para amar o mundo. Ele sabe que isso nos é impossível. Não conseguimos exercitar amor pelo mundo todo, porque somos finitos, somos limitados em tempo e em espaço. Só Deus pode amar o mundo.

O que uma criatura finita que foi muito amada pode, sim, fazer, é amar o próximo. Na verdade, é o que ele deve fazer, é a resposta lógica ao amor recebido. Perguntaram a Jesus quem era o próximo e sua resposta, através da parábola do bom samaritano, foi a mais trivial possível. Próximo, é a conclusão, é quem está próximo. É quem está perto de você. Quem quer que seja. Próximo é qualquer pessoa a quem você possa demonstrar amor. É qualquer pessoa que pode ser atingida pela exteriorização de algo que está dentro de você. É toda pessoa a quem você possa tocar, que possa ser impactada pelo seu sorriso, pela sua atenção. É qualquer pessoa a quem a sua preocupação e sua ação possa beneficiar de fato.

Olhe ao seu redor e imite a Deus.

Feliz sábado, @migos!

*Marco Aurelio Brasil é advogado e membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia do Unasp Campus 1, em São Paulo/Capital.

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Como é produzida a lição da Escola Sabatina

Chega ao fim neste fim de semana mais um trimestre de estudos na Escola Sabatina. Para quem não sabe, a Escola Sabatina é um ministério de educação religiosa, semelhante às Escolas Dominicais em outras denominações, conduzida pela Igreja Adventista do Sétimo Dia para que membros de todas as idades estudem um livro ou tema bíblico, de forma contínua e sistemática, segundo sua faixa etária a cada trimestre.

Mas como é preparada a lição da Escola Sabatina estudada nas igrejas locais ao redor do mundo? Confira neste vídeo desenvolvido pela equipe de comunicação da Igreja Adventista do Sétimo Dia na Região Sul do Brasil, sob coordenação da jornalista Fabiana Bertotti.

Youtube - Como é produzida a lição da Escola Sabatina
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domingo, 12 de setembro de 2010

Caso Pr. Piragibe Jr 2: o aborto e deputados petistas

por Walter Dos Santos*

Na reação petista ao vídeo do pastor presidente da 1ª Igreja Batista de Curitiba Pr. Paschoal Piragibe Jr,  o presidente do PT no Paraná e deputado estadual Ênio Verri chamou o pastor de mentiroso por declarar que parlamentares petistas tinham sido expulsos do partido por votarem contra o aborto. Na entrevista à Rádio CBN Curitiba, Ênio Verri disse que os deputados citados pelo ministros batista saíram por vontade própria e tinham liberdade para votarem conforme sua consciência nessa questão. Os fatos, porém, estão do lado do pastor batista, e não do parlamentar petista.

Queiramos admitir ou não, partidos de esquerda como o PT abrigam e estimulam em seus quadros militantes e movimentos sociais que lutam por bandeiras contrárias a alguns valores cristãos. Antes de prosseguirmos, queremos lembrar o que a Palavra de Deus ensina sobre a questão do aborto, bem como a posição da Igreja Adventista do Sétimo Dia a respeito.

Posição bíblica, adventista e legal 


Ao contrário do que o governo brasileiro, entidades pró-escolha e a Igreja Universal do Reino de Deus (pró-aborto) ensinam, a Palavra de Deus afirma a dignidade da vida humana intra-uterina (Ex 20:13; 21:22-24), a vida humana como criada por Deus desde a concepção (Sl 139:13-16; Is 44:24) e o valor da pessoa humana desde o estado fetal (Jr 1:4-5; Lc 1:39-44).

Baseada nessas e em outras passagens bíblicas, a posição oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia é que a Igreja não tolera a prática do aborto "por razões de controle de natalidade, seleção de sexo ou conveniência". Contudo, ela reconhece que "às vezes as mulheres podem ter de enfrentar circunstâncias excepcionais, que apresentam sérios dilemas morais ou médicos, tais como ameaças significativas para a saúde ou para a vida da gestante, graves defeitos congênitos no feto e gravidez resultante de estupro ou incesto". Nesses casos, a orientação da Igreja é que a decisão final quanto a interromper ou não a gravidez deva ser feita pela mulher grávida após o devido aconselhamento médico e espiritual por meio de "informação precisa, princípios bíblicos e a orientação do Espírito Santo".

O Código Penal brasileiro encara o aborto como crime contra a vida e pune com detenção quem o pratica ou autoriza (artigos 124 a 128), salvo se há risco de vida para a mãe ou a gravidez resulta de estupro. Autorização para aborto em casos de grave deformação fetal (como bebês sem cérebro) tem sido dada por alguns juízes desde 1993, mas ainda é um ponto controverso entre os magistrados.

Os defensores da descriminalização do aborto, caso de setores do PT, querem que a prática seja autorizada para todos os casos como um direito da mulher sobre o seu próprio corpo.

Deputados do PT contrários ao aborto

Voltando ao aborto na vida interna do PT, devemos lembrar que o texto do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que inclui a descriminalização do aborto, é fruto de reuniões e discussões de diversos setores sociais sob o guarda-chuva do partido. Segundo matéria da Folha de São Paulo de 19/02/2010,  os delegados presentes ao Congresso Nacional do PT entenderam que o partido deve manifestar "apoio incondicional ao programa" por considerar que ele é "fruto de intenso processo de participação social". O documento "Resoluções do 3º Congresso do PT", elaborado em 2007 e disponível na página do partido, declara:

"O PT, através de sua secretaria defende e reafirma seu compromisso com políticas e ações, hoje incorporadas pelo governo federal, que representam as principais bandeiras de lutas dos movimentos de mulheres e feministas, e que são extremamente significativas para a melhoria da qualidade de vida das mulheres: 
(...) 
• defesa do Plano Nacional de Planejamento Familiar, contribuindo para a autonomia das mulheres sobre seu corpo e sua sexualidade; 
• defesa da autodeterminação das mulheres, da discriminalização do aborto e regulamentação do atendimento à todos os casos no serviço público evitando assim a gravidez não desejada e a morte de centenas de mulheres, na sua maioria pobres e negras, em decorrência do aborto clandestino e da falta de responsabilidade do Estado no atendimento adequado às mulheres que assim optarem". 
Resoluções do 3° Congresso Partido dos Trabalhadores, 30 de agosto a 2 de setembro de 2007, São Paulo, Brasil. – Porto Alegre: Partido dos Trabalhadores, 2007, pág. 82.

Uma simples pesquisa na web mostra que o Pr. Paschoal Piragibe Jr está correto ao apontar a expulsão de parlamentares petistas por sua posição contrária ao aborto. Quem falta com a verdade é o presidente do PT no Paraná e deputado estadual Ênio Verri.

Luis Bassuma
Documento do próprio diretório do PT e disponível na web mostra que os deputados federais Luiz Bassuma (PT-BA) e Henrique Afonso (PT-AC) tiveram os direitos de votar e discursar em nome do partido retirados (por 1 ano e por 3 meses, respectivamente) ao infrigir "a ética-partidária ao 'militarem' contra resolução do 3º Congresso Nacional do PT a respeito da descriminalização do aborto". O voto da Comissão de Ética do partido foi dado por unanimidade em setembro de 2009. Segundo o site de notícias políticas Congresso em Foco, a expulsão dos parlamentares era uma das opções cogitadas antes da voto, tomando posição a favor das mulheres petistas defensoras do aborto.

Segundo a revista Bahia em Foco, o deputado baiano Luis Bassuma foi EXPULSO do partido por ser contra o aborto "num processo deflagrado pelas mulheres da militância partidária por sua pregação nacional contra o aborto". Espírita, Luis Bassuma entrou para o PV após a expulsão e hoje concorre ao governo da Bahia.

Henrique Afonso
Membro da Igreja Presbiteriana do Brasil, o deputado acriano Henrique Afonso decidiu sair do PT ANTES QUE O EXPULSASSEM. Segundo entrevista ao Sistema Juruá de Comunicação, Afonso disse estar numa posição insustentável por condenar o aborto dentro do PT. Como era contrário a outras resoluções do partido por questões religiosas, ele poderia ser expulso por reincidência mais tarde e por isso preferiu deixar o partido antes de uma nova retaliação.

*Walter Dos Santos é um jornalista apaixonado por Cristo e pela literatura que mantém o Portal Escrivão Caminha (escrivaocaminha.blogspot.com). A reprodução deste texto é autorizada desde que seja mencionado este crédito.
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Caso Pr. Piragibe Jr 1: a separação Igreja–Estado

por Walter Dos Santos*

Um vídeo extremamente polêmico, reunindo temas espinhosos como aborto, política e religião, está alcançando quase 1 milhão de exibições no Youtube. Durante um sermão no fim de agosto passado, o pastor presidente da 1ª Igreja Batista de Curitiba (PR) Paschoal Piragine Jr mostrou uma gravação com cenas fortes sobre aborto e casamento homossexual, dois temas incluídos no Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) aprovado no governo Lula. O religioso condenou o conteúdo do PNDH e orientou os fiéis a não votarem nos candidatos que estejam comprometidos na defesa do Plano ou que o apóiem, citando por nome o Partido dos Trabalhadores (PT).

Youtube - Posicionamento do Pr. Paschoal Piragine Jr sobre as eleições 2010


A reação petista veio rápida. Em reportagem da Rádio CBN Curitiba, o presidente do PT no Paraná e deputado estadual Ênio Verri reagiu às declarações do ministro batista. O líder político chamou o pastor de mentiroso, mandou-o para o inferno ("o céu não é o destino futuro desse pastor", segundo ele) e ameaçou processá-lo na Justiça. Ênio Verri disse que os deputados citados pelo Pr. Paschoal Piragine Jr não foram expulsos do partido por votarem contra o aborto. Segundo ele, eles saíram por vontade própria e tinham liberdade para votarem conforme sua consciência nessa questão. Numa outra postagem, mostraremos que os fatos estão do lado do pastor batista, e não do parlamentar petista.

O religioso está em viagem para a Argentina e não foi encontrado pela CBN Curitiba para comentar as declarações do presidente do PT. Também não informado o motivo da viagem, se pessoal ou a serviço da igreja. Mas redes sociais e blogs na internet têm especulado que o pastor Paschoal Piragine Jr. teve de fugir por causa de ameaças recebidas contra ele e sua família desde que proferiu o sermão. Embora tenha recebido muita aprovação de setores conservadores dentro e fora da sua denominação, muitos têm se posicionado contra o pronunciamento do pastor batista. Mas o que a Palavra de Deus ensina sobre a delicada relação entre política e religião?

Batistas e a separação Igreja–Estado

Jesus defendeu a separação dos poderes eclesiástico e governamental em Mt 22:17-21, atribuindo esferas de poder e submissão próprias a César e a Deus. Em Rm 13:1-7 e 1Pe 2:13-17, os apóstolos do Salvador foram bem claros ao ordenar os cristãos a serem submissos ao Estado como instituição ordenada por Deus, ensinando-nos que ele existe para recompensar o bem e refrear o mal.

Respaldados por passagens como essas, a tradição batista em que se insere o Pr. Piragibe Jr tem defendido a separação Igreja–Estado e a liberdade religiosa ao longo dos séculos. Seus antepassados espirituais, os anabatistas já propunham esse princípio em meio à perseguição religiosa provocada pela junção dos poderes civis e religiosos na Europa católica e protestante dos séculos XVI e XVII. Os primeiros dois pastores da primeira igreja batista no mundo, fundada na Inglaterra em 1611, defendiam a separação Igreja–Estado e morreram na prisão por causa de suas crenças. Era um tempo em que a Igreja Anglicana havia trocado o Papa de Roma pelo Rei da Inglaterra como chefe espiritual, mantendo a mesma intolerância herdada do catolicismo e perseguindo os dissidentes: especialmente os católicos, puritanos e batistas.

Com o desejo de liberdade de consciência, os puritanos enfrentaram os perigos de um longa jornada através do mar em direção às praias da América do Norte. Mas embora desejassem "um Estado sem rei e uma Igreja sem papa", os tripulantes do navio Mayflower logo começaram a ser tão intolerantes quanto os seus inimigos na colônia americana de Massachusetts. Eles cruzaram o Atlântico, fugindo da perseguição da igreja oficial da Inglaterra. Contudo, para criar uma igreja oficial deles mesmos na Nova Inglaterra, exigia-se que todos os cidadãos sustentassem o clero, magistrados declararam guerra contra a heresia e a filiação à igreja era critério de admissão em cargos públicos. A liberdade de consciência era sufocada por essa mistura de religião e governo que lembrava o velho mundo.

O pastor Roger Williams, perseguido pelos anglicanos na Inglaterra, chegou à colônia de Massachusetts em 1631. Ele viveu por algum tempo na fazenda Plymouth, um museu vivo do primeiro povoado permanente inglês na América. Apesar de ter tido uma recepção calorosa e ser convidado a pastorear a única igreja existente em Boston, Williams logo se tornou um pregador exilado e fugitivo. Ele lera os escritos dos primeiros pastores batistas citados anteriormente e ensinava que a união Igreja–Estado era insustentável, que o poder civil não pode legislar sobre questões religiosas e que o salário pastoral deve ser pago pelos membros que o contratam e não por impostos governamentais.

Os líderes puritanos de Massachusetts não podiam tolerar aquelas novas e perigosas opiniões. Durante um julgamento formal, eles condenaram Williams e ordenaram que fosse exilado. Banido de Boston, ele vagou pela neve por 14 semanas floresta adentro, mal conseguindo sobreviver até que encontrou refúgio com os índios. Comprando terra deles, Roger Williams fundou a colônia de Providence, onde agora fica Rhode Island. Ali o pastor estabeleceu o primeiro governo moderno, oferecendo total liberdade de consciência. Williams convidou todos os oprimidos e perseguidos a buscarem refúgio em Providence, qualquer que fosse a sua fé. Mesmo que não tivessem qualquer fé, eles seriam bem-vindos. E nesse reduto de liberdade, foi fundada em 1638 a primeira Igreja Batista em terras americanas. Providence se tornou a capital da liberdade no Novo Mundo e o esboço da Constituição Americana um século e meio depois, defendendo a liberdade religiosa e a separação Igreja–Estado. 

Graças a pioneiros batistas do começo de sua história, a Igreja Adventista do Sétimo Dia herdou a defesa desses dois grandes princípios. Organizada por líderes adventistas no ano de 1893, a Associação Internacional de Liberdade Religiosa (IRLA, em inglês) trabalha para defender, proteger e promover a liberdade religiosa em todos os lugares para todas as pessoas. Seu foco primário é organizar congressos, simpósios, conferências e seminários, e atuar junto a legisladores, governos e líderes religiosos, estimulando a liberdade religiosa e ajudando as vítimas de intolerância religiosa. Afiliada a parceiros em 80 países, a IRLA recebeu em 2000 status de ONG consultiva na Organização das Nações Unidas.


Implicações da separação Igreja–Estado

Voltando ao caso do Pr. Piragibe Jr: ao contrário de muitos ministros populares (no pior sentido do termo), ele não vendeu o voto da sua denominação para este ou aquele candidato, nem promoveu qualquer candidato como "o homem escolhido por Deus, ou do sonho de Deus, o homem de Deus para este cargo etc". Ele apenas valeu-se do seu direito bíblico e constitucional de orientar espiritualmente sua congregação conforme uma legítima preocupação sua sobre questões sociais e morais. 

A separação Igreja–Estado não significa que as duas esferas jamais possam interagir de quaisquer formas ou por quaisquer meios. Igrejas são entidades civis e jurídicas submetidas a algumas leis específicas do governo civil, compostas por membros que são cidadãos do país em que residem e que desfrutam de direitos e deveres políticos assegurados pelo mesmo Estado. Este por sua vez decreta feriados baseados em comemorações religiosas, concede liberdade de crença e reunião, protege os locais de culto e suas liturgias e permite capelania religiosa em presídios e quartéis, entre outras garantias. 

A separação Igreja–Estado significa que o Estado não deve favorecer nem prejudicar nenhuma organização religiosa em detrimento de outra, e a Igreja não deve interferir nos negócios do Estado nem (idealmente) se envolver na política partidária como uma organização coletiva. Uma coisa é o membro ou o ministro evangélico expor sua opinião sobre o momento político, outra diferente é a Igreja local ou a denominação apoiar ou condenar oficialmente este ou aquele candidato ou projeto político.

Uma das consequências lógicas da separação Igreja–Estado defendida pela Bíblia é que a Igreja não deve impor sua moralidade aos não-cristãos, muito menos usar a força de lei para forçar as pessoas a seguir suas normas e crenças. Contudo, a Palavra de Deus aconselha os cristãos a não se conformarem aos padrões corrompidos deste mundo hostil a Deus e à Sua vontade (Mt 5:13; Jo 17:14-16; Rm 12:1-2; Fp 2:14-16; Tg 4:4; 1Pe 2:11-12; 1Jo 2:15-17). Nas sociedades democráticas ocidentais, os diferentes grupos sociais usam o espaço do debate público e a arena política para defender seus interesses e promover seus valores. Nesse caso, a Igreja pode e deve usar os meios ao seu alcance e ao seu dispor para defender e promover um padrão moral mínimo para o bem-estar dela mesma e do resto da sociedade. 

Cristãos protestantes trabalharam com sucesso nesse caminho ao lutar pelo fim da escravidão e em favor das crianças órfãs na Inglaterra, contra o estímulo aos vícios do álcool e do fumo, a escravatura e a segregação racial nos EUA e contra o infanticídio e o enterro de viúvas com seus maridos na Índia. Batistas como o missionário à Índia William Carrey e o pastor Martin Luther King não violaram a separação Igreja–Estado defendida por sua denominação ao apoiarem essas bandeiras pelo exemplo e pela voz, embora tenham confrontado interesses partidários e leis estabelecidas pelo Estado de então.

Portanto, o Pr. Piragibe apenas coloca-se numa lista de ministros cristãos a usar sua influência contra questões morais de repercussão social. 

*Walter Dos Santos é um jornalista apaixonado por Cristo e pela literatura que mantém o Portal Escrivão Caminha (escrivaocaminha.blogspot.com). A reprodução deste texto é autorizada desde que seja mencionado este crédito.

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