Caso Pr. Piragibe Jr 1: a separação Igreja–Estado
por Walter Dos Santos*
Um vídeo extremamente polêmico, reunindo temas espinhosos como aborto, política e religião, está alcançando quase 1 milhão de exibições no Youtube. Durante um sermão no fim de agosto passado, o pastor presidente da 1ª Igreja Batista de Curitiba (PR) Paschoal Piragine Jr mostrou uma gravação com cenas fortes sobre aborto e casamento homossexual, dois temas incluídos no Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) aprovado no governo Lula. O religioso condenou o conteúdo do PNDH e orientou os fiéis a não votarem nos candidatos que estejam comprometidos na defesa do Plano ou que o apóiem, citando por nome o Partido dos Trabalhadores (PT).
Youtube - Posicionamento do Pr. Paschoal Piragine Jr sobre as eleições 2010
A reação petista veio rápida. Em reportagem da Rádio CBN Curitiba, o presidente do PT no Paraná e deputado estadual Ênio Verri reagiu às declarações do ministro batista. O líder político chamou o pastor de mentiroso, mandou-o para o inferno ("o céu não é o destino futuro desse pastor", segundo ele) e ameaçou processá-lo na Justiça. Ênio Verri disse que os deputados citados pelo Pr. Paschoal Piragine Jr não foram expulsos do partido por votarem contra o aborto. Segundo ele, eles saíram por vontade própria e tinham liberdade para votarem conforme sua consciência nessa questão. Numa outra postagem, mostraremos que os fatos estão do lado do pastor batista, e não do parlamentar petista.
Respaldados por passagens como essas, a tradição batista em que se insere o Pr. Piragibe Jr tem defendido a separação Igreja–Estado e a liberdade religiosa ao longo dos séculos. Seus antepassados espirituais, os anabatistas já propunham esse princípio em meio à perseguição religiosa provocada pela junção dos poderes civis e religiosos na Europa católica e protestante dos séculos XVI e XVII. Os primeiros dois pastores da primeira igreja batista no mundo, fundada na Inglaterra em 1611, defendiam a separação Igreja–Estado e morreram na prisão por causa de suas crenças. Era um tempo em que a Igreja Anglicana havia trocado o Papa de Roma pelo Rei da Inglaterra como chefe espiritual, mantendo a mesma intolerância herdada do catolicismo e perseguindo os dissidentes: especialmente os católicos, puritanos e batistas.
Com o desejo de liberdade de consciência, os puritanos enfrentaram os perigos de um longa jornada através do mar em direção às praias da América do Norte. Mas embora desejassem "um Estado sem rei e uma Igreja sem papa", os tripulantes do navio Mayflower logo começaram a ser tão intolerantes quanto os seus inimigos na colônia americana de Massachusetts. Eles cruzaram o Atlântico, fugindo da perseguição da igreja oficial da Inglaterra. Contudo, para criar uma igreja oficial deles mesmos na Nova Inglaterra, exigia-se que todos os cidadãos sustentassem o clero, magistrados declararam guerra contra a heresia e a filiação à igreja era critério de admissão em cargos públicos. A liberdade de consciência era sufocada por essa mistura de religião e governo que lembrava o velho mundo.
O pastor Roger Williams, perseguido pelos anglicanos na Inglaterra, chegou à colônia de Massachusetts em 1631. Ele viveu por algum tempo na fazenda Plymouth, um museu vivo do primeiro povoado permanente inglês na América. Apesar de ter tido uma recepção calorosa e ser convidado a pastorear a única igreja existente em Boston, Williams logo se tornou um pregador exilado e fugitivo. Ele lera os escritos dos primeiros pastores batistas citados anteriormente e ensinava que a união Igreja–Estado era insustentável, que o poder civil não pode legislar sobre questões religiosas e que o salário pastoral deve ser pago pelos membros que o contratam e não por impostos governamentais.
Os líderes puritanos de Massachusetts não podiam tolerar aquelas novas e perigosas opiniões. Durante um julgamento formal, eles condenaram Williams e ordenaram que fosse exilado. Banido de Boston, ele vagou pela neve por 14 semanas floresta adentro, mal conseguindo sobreviver até que encontrou refúgio com os índios. Comprando terra deles, Roger Williams fundou a colônia de Providence, onde agora fica Rhode Island. Ali o pastor estabeleceu o primeiro governo moderno, oferecendo total liberdade de consciência. Williams convidou todos os oprimidos e perseguidos a buscarem refúgio em Providence, qualquer que fosse a sua fé. Mesmo que não tivessem qualquer fé, eles seriam bem-vindos. E nesse reduto de liberdade, foi fundada em 1638 a primeira Igreja Batista em terras americanas. Providence se tornou a capital da liberdade no Novo Mundo e o esboço da Constituição Americana um século e meio depois, defendendo a liberdade religiosa e a separação Igreja–Estado.
Implicações da separação Igreja–Estado
A separação Igreja–Estado não significa que as duas esferas jamais possam interagir de quaisquer formas ou por quaisquer meios. Igrejas são entidades civis e jurídicas submetidas a algumas leis específicas do governo civil, compostas por membros que são cidadãos do país em que residem e que desfrutam de direitos e deveres políticos assegurados pelo mesmo Estado. Este por sua vez decreta feriados baseados em comemorações religiosas, concede liberdade de crença e reunião, protege os locais de culto e suas liturgias e permite capelania religiosa em presídios e quartéis, entre outras garantias.
Uma das consequências lógicas da separação Igreja–Estado defendida pela Bíblia é que a Igreja não deve impor sua moralidade aos não-cristãos, muito menos usar a força de lei para forçar as pessoas a seguir suas normas e crenças. Contudo, a Palavra de Deus aconselha os cristãos a não se conformarem aos padrões corrompidos deste mundo hostil a Deus e à Sua vontade (Mt 5:13; Jo 17:14-16; Rm 12:1-2; Fp 2:14-16; Tg 4:4; 1Pe 2:11-12; 1Jo 2:15-17). Nas sociedades democráticas ocidentais, os diferentes grupos sociais usam o espaço do debate público e a arena política para defender seus interesses e promover seus valores. Nesse caso, a Igreja pode e deve usar os meios ao seu alcance e ao seu dispor para defender e promover um padrão moral mínimo para o bem-estar dela mesma e do resto da sociedade.
Cristãos protestantes trabalharam com sucesso nesse caminho ao lutar pelo fim da escravidão e em favor das crianças órfãs na Inglaterra, contra o estímulo aos vícios do álcool e do fumo, a escravatura e a segregação racial nos EUA e contra o infanticídio e o enterro de viúvas com seus maridos na Índia. Batistas como o missionário à Índia William Carrey e o pastor Martin Luther King não violaram a separação Igreja–Estado defendida por sua denominação ao apoiarem essas bandeiras pelo exemplo e pela voz, embora tenham confrontado interesses partidários e leis estabelecidas pelo Estado de então.
Portanto, o Pr. Piragibe apenas coloca-se numa lista de ministros cristãos a usar sua influência contra questões morais de repercussão social.
2 Comentários:
Muito proveitosa sua breve dissertação sobre o assunto, Walter. Fico feliz em ver pessoas que se empenham em aprofundar e elucidar assuntos relevantes à nossa fé.
Quando assisti ao vídeo, logo admirei o pastor pela coragem que poucos líderes espirituais têm para tratarem de assuntos polêmicos. Confesso que fiquei um pouco confusa sobre o uso do púlpito para tanto, mas sua matéria me esclareceu muitas dúvidas.
Por isso, desejo que Deus continue iluminando você para que muitos corações sinceros também sintam o desejo de investirem em um conhecimento mais aprofundado sobre temas que exijem de nós, cristãos, um posicionamento firme e esclarecido sob a luz da Palavra de Deus.
Danila Ribeiro
eu gostaria de saber sobre a opinião do pastor piragibe a respeito do jose serra e prefeito kassab participarem da passeata gay em são paulo e anunciarem apoio ao projeto de lei de união de homossexuais.pra achar a materia entre no google com a sequinte perguinta materia do estdão em que jose serra aparece na parada gay apoiando a união deles,e agora ele vai se posicionar ou não.
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