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quarta-feira, 17 de junho de 2009

O que significa a Graça de Deus



por Phillip Yancey*

Sei como reajo às cartas de rejeição dos editores das revistas e às cartas de crítica dos leitores. Sei até onde meu espírito sobe quando chega um cheque de direitos autorais mais alto do que eu esperava, e como ele desce quando o valor é pequeno. Sei que minha auto-imagem no final do dia depende grandemente do tipo de mensagens que recebo das outras pessoas. Será que gostam de mim? Será que me amam? Espero as manifestações de meus amigos, de meus vizinhos, de minha família — como um homem faminto, aguardo as respostas.

Ocasionalmente, muito ocasionalmente, sinto a verdade da graça. Há momentos em que estudo as parábolas e percebo que elas estão falando a meu respeito. Eu sou a ovelha que o pastor foi procurar deixando o aprisco, o filho pródigo por quem o pai perscruta o horizonte, o servo cuja dívida foi perdoada. Eu sou o amado de Deus.

Não faz muito tempo recebi pelo correio um cartão postal de um amigo que continha apenas seis palavras: "Eu sou aquele a quem Jesus ama". Eu sorri quando olhei para o endereço do remetente, pois meu estranho amigo se especializa nesses dizeres piedosos. Quando lhe telefonei, entretanto, ele me disse que as palavras vinham do escritor e orador Brennan Manning. Em um seminário, Manning referiu-se ao amigo mais íntimo de Jesus na terra, o discípulo chamado João, identificado nos evangelhos como "aquele a quem Jesus amava". Manning disse: "Se perguntassem a João: 'Qual é a sua identidade principal na vida?', ele não responderia: 'Eu sou um discípulo, um apóstolo, um evangelista, o autor do quarto evangelho', mas sim: 'Eu sou aquele a quem Jesus ama'".

O que significaria, perguntei a mim mesmo, se eu também pudesse considerar como minha identidade principal na vida ser "aquele a quem Jesus ama"? Como eu me veria diferente no final de um dia!

Os sociólogos têm uma teoria do ego de lente de aumento: você se torna o que a pessoa mais importante de sua vida (esposa, pai, chefe, etc.) acha que você é. Como minha vida se modificaria se eu verdadeiramente cresse nas espantosas palavras da Bíblia a respeito do amor de Deus por mim, se eu olhasse no espelho e visse o que Deus vê?

Brennan Manning conta a história de um padre irlandês que, em uma viagem por uma paróquia rural, vê um velho camponês ajoelhado ao lado da estrada, orando. Impressionado, o padre diz ao homem: "Você deve ter muita intimidade com Deus". O camponês levanta os olhos, pensa um momento, e então sorri: "Sim, ele gosta muito de mim".

Deus não é limitado ao tempo, dizem-nos os teólogos. Deus criou o tempo assim como um artista escolhe um meio de trabalho, e fica solto dele. Ele vê o futuro e o passado em uma espécie de eterno presente. Se for correta essa teoria a respeito de Deus, os teólogos ajudaram a explicar como Deus pode chamar de "amada" uma pessoa inconstante, volúvel e temperamental como eu. Quando Deus olha para o gráfico da minha vida, não vê grandes mudanças de direção para o bem ou para o mal, mas, antes, uma linha firme no bem; a bondade do Filho de Deus capturada em um momento do tempo e aplicada por toda a eternidade.



Como disse John Donne, o poeta do século XVII:

Pois no Livro da Vida, o nome de Maria Madalena foi tão logo registrado, por toda a sua incontinência, como o da Virgem bendita, por toda a sua integridade; e o nome de Paulo, que brandiu sua espada contra Cristo, como o de Pedro, que brandiu a sua em defesa dele; pois o Livro da Vida não foi escrito sucessivamente, palavra após palavra, linha após linha, mas foi entregue como um Livro, tudo junto.

Cresci com a imagem de um Deus matemático que pesava meus atos bons e maus em um conjunto de balanças e sempre me considerava em falta. Não sei como me esqueci do Deus dos evangelhos, um Deus de misericórdia e generosidade que continua encontrando maneiras de despedaçar as leis implacáveis da não-graça. Deus rasga as tabuadas e apresenta a nova matemática da graça, a palavra mais surpreendente, mais assustadora, mais inesperada da nossa língua.

A graça surge de tantas formas diferentes que tenho dificuldade em defini-la. Estou pronto, contudo, a tentar alguma coisa como uma definição da graça divina. Graça significa que não há nada que possamos fazer para Deus nos amar mais — nenhuma quantida de renúncia, nenhuma quantidade de conhecimento recebido em seminários e faculdades de teologia, nenhuma quantidade de cruzadas em benefício de causas justas. E a graça significa que não há nada que possamos fazer para Deus nos amar menos — nenhuma quantidade de racismo ou orgulho, pornografia ou adultério, ou até mesmo homicídio. A graça significa que Deus já nos ama tanto quanto é possível um Deus infinito nos amar.


Há uma cura simples para pessoas que duvidam do amor de Deus e questionam a graça divina: voltar para a Bíblia e examinar o tipo de pessoas que Deus ama. Jacó, que se atreveu a se envolver em uma luta física com Deus e mesmo depois que fora ferido nessa luta tornou-se o epônimo do povo de Deus, os "filhos de Israel". A Bíblia fala de um homicida e um adúltero que ganhou reputação como o maior rei do Antigo Testamento, um "homem segundo o coração de Deus". E de uma igreja dirigida por um discípulo que praguejou e jurou que não conhecia Jesus. E de um missionário sendo recrutado das fileiras dos torturadores de cristãos. Eu recebo correspondência da Anistia Internacional e, quando examino as fotos de homens e mulheres que foram espancados, pisoteados, espetados, cuspidos e eletrocutados, pergunto a mim mesmo: "Que espécie de ser humano poderia fazer isso a outro ser humano?". Então, leio o livro de Atos e encontro o tipo de pessoa que poderia fazer uma coisa dessas — agora um apóstolo da graça, um servo de Jesus Cristo, o maior missionário da história. Se Deus pode amar esse tipo de pessoa, talvez, apenas talvez, Ele também possa amar pessoas como eu.

Não posso moderar minha definição de graça porque a Bíblia me força a torná-la o mais abrangente possível. Deus é "o Deus de toda a graça", nas palavras do apóstolo Pedro (1 Pedro 5:10). E graça significa que não há nada que eu possa fazer para Deus me amar mais, e nada que eu possa fazer para Deus me amar menos. Significa que eu, até mesmo eu que mereço o contrário, sou convidado a tomar o meu lugar à mesa da família de Deus.

Alessandra Samadello - Tomou o meu lugar


Por instinto, sinto que devo fazer alguma coisa para ser aceito. A graça soa como uma surpreendente nota de contradição, de liberação e, todos os dias, eu devo orar de novo para ter a capacidade de ouvir sua mensagem.

Eugene Peterson traça um contraste entre Agostinho e Pelágio, dois oponentes teológicos do século IV. Pelágio era educado, convincente e todos gostavam dele. Agostinho desperdiçou sua juventude na imoralidade, tinha um estranho relacionamento com sua mãe e fez muitos inimigos. Mas Agostinho começou com a graça de Deus e acertou, enquanto Pelágio partiu dos esforços humanos e errou. Agostinho buscou apaixonadamente a Deus; Pelágio trabalhou metodicamente para agradar a Deus. Peterson continua dizendo que os cristãos tendem a ser agostinianos na teoria e pelagianos na prática. Trabalham obsessivamente para agradar outras pessoas e até mesmo a Deus.

Todos os anos, na primavera, eu me torno vítima do que os noticiários esportivos diagnosticam de "Loucura de Março". Não consigo resistir à tentação de ligar a TV no jogo final de basquete, no qual as duas únicas sobreviventes de um torneio de sessenta e quatro equipes se encontram para a final do campeonato universitário. Esse importantíssimo jogo sempre parece terminar com um garoto de dezoito anos de idade pronto para fazer um arremesso, com apenas um segundo para terminar o jogo.

Ele dribla nervosamente. Se ele perder essa jogada, sabe que será o bode expiatório do campus, o bode expiatório do seu Estado. Daqui a vinte anos estará se aconselhando para se libertar desse momento. Se fizer os dois pontos, será um herói. Sua foto estará na primeira página dos jornais. Provavelmente poderá candidatar-se a governador.

Ele dribla novamente e a outra equipe pede tempo, para confundi-lo. Ele está na lateral, avaliando todo o seu futuro. Tudo depende dele. Seus colegas olham para ele encorajando-o, mas não dizem nada. Um ano, eu me lembro, deixei a sala para atender o telefone exatamente na hora em que o garoto se preparava para arremessar a bola. Rugas de preocupação vincavam sua testa. Ele mordiscava seu lábio inferior. Sua perna esquerda tremia na altura do joelho. Vinte mil torcedores estavam gritando, sacudindo bandeiras e lenços para distraí-lo.

O telefonema foi mais longo do que eu esperava e, quando voltei, tive uma nova visão. O mesmo garoto, o cabelo encharcado com Gatorade, estava cavalgando nos ombros dos colegas, cortando a rede de um cesto de basquete. Ele não tinha mais nenhuma preocupação no mundo. Seu sorriso enchia a tela toda.

Essas duas imagens congeladas — o mesmo garoto se encolhendo na linha lateral e, depois, celebrando sobre os ombros dos amigos — vieram a simbolizar para mim a diferença entre a não-graça e a graça.

O mundo é governado pela ausência de graça. Tudo depende do que eu faço. Tenho de fazer os pontos.

O reino de Jesus nos chama para trilhar outro caminho, um caminho que não depende de nossas realizações, mas, sim, da realização dele. Nós não temos de realizar, mas apenas seguir. Ele já ganhou para nós a preciosa vitória da aceitação de Deus.

Quando penso naquelas duas imagens, uma pergunta perturbadora penetra em minha mente: Qual dessas duas cenas se parece mais com a minha vida espiritual?

*Phillip Yancey é um jornalista e escritor evangélico americano. O trecho acima foi extraído do livro Maravilhosa Graça, publicado no Brasil pela Editora Vida, págs. 29-31.
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