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segunda-feira, 16 de março de 2009

Sobre O Caçador de Pipas

por Walter Dos Santos*

Recentemente assisti ao filme O Caçador de Pipas, baseado no romance de mesmo nome e um dos melhores que já passaram por minhas mãos. Livro excelente que li há três anos, é uma obra que fisga o leitor logo de cara e do qual sei que você também vai gostar. Como ex-professor de Literatura e estudioso do assunto, vejo em O Caçador de Pipas um texto com temas e discussões fortes, uma trama muito bem montada e um dos melhores livros de literatura que já li em minha vida. É a história de uma amizade frágil entre dois jovens afegãos, repleta de altos e baixos, e que se torna tão dramática quanto o Afeganistão, palco da narrativa que se inicia nos anos 70, na época da monarquia afegã, passa pela invasão soviética nos anos seguintes e termina no terror do regime talibã.

Amir é o protagonista e narrador do livro; Hassan, o coadjuvante e alter ego do narrador. Amir é um jovem privilegiado: pertence à etnia dominante do país (pashtu), freqüenta a escola, mora em uma bela casa e seu pai é um rico homem de negócios e figura conhecida de Cabul. É órfão de mãe e um jovem relativamente frágil. Hassan é o oposto, quase um outro eu de Amir. A única semelhança com o amigo é a ausência da presença materna em sua vida. É analfabeto e, assim como o seu pai, é serviçal na casa de Amir. Faz parte da minoria hazara, etnia menos abastada, geralmente discriminada e odiada no Afeganistão. Hassan é corajoso, companheiro e protetor do solitário Amir, que luta pela atenção do pai. Há um laço de amizade não apenas entre os garotos, mas também entre seus pais. O pai de Amir trata todos como sendo da mesma família.

Hassan é eternamente fiel ao amigo, sentimento que em alguns momentos faz despertar revolta em Amir. A ingenuidade de Hassan e o seu analfabetismo irritam Amir, às vezes. Um dia, Amir descobre uma forma de caçoar o amigo. Dentre as várias brincadeiras da infância afegã, as pipas são o passatempo de inverno predileto dos jovens. Anualmente, um campeonato de pipas agita Cabul. Será neste campeonato que os sonhos de Amir de ganhar o amor e o respeito do pai serão realizados, mas serátambém nele que um pesadelo envolvendo Hassan o marcará pelo resto da vida. O narrador migra com o pai para os Estados Unidos durante a invasão soviética, se torna escritor, vive um feliz casamento, mas não consegue esquecer a covardia cometida contra Hassan. Mas um telefonema anos mais tarde permitirá a Amir a chance de reparar o erro do passado e enfrentar a realidade cruel do regime talebã no Afeganistão.


O livro trabalha temas interessantes, embora sejam temas clássicos abordados na história da literatura. Primeiro, a infância idealizada: o cotidiano das crianças afegãs que brincam despreocupadamente nas ruas do país sem saber da invasão soviética e do regime talebã que destruirão o país. A relação de amizade é outro tema abordado na história: os dois garotos criam um estreito vínculo entre si, mas que é mesclado pela devoção incondicional de um e pela afeição egoísta do outro. Não se pode esquecer do binômio culpa e redenção: a covardia de Amir na hora em que seu amigo mais precisava e a sua tentativa de fugir do erro, a princípio, e de reparar sua falta, mais tarde, dominam os dois terços finais do livro.

Como pano de fundo sobre o qual a história é construída, é interessante observar-se 1) a reconstituição do cotidiano e cultura afegãos antes da invasão soviética nos anos 70, 2) o desenraizamento e deslumbre de Amir e seu pai como refugiados nos Estados Unidos e 3) a miséria e terror trazidos pelo regime talebã aos habitantes do Afeganistão. O livro, já aviso aos estudiosos da literatura, é despretensioso em seu estilo literário. Mas tem uma trama muito bem construída, talvez explicada pelo fato de a história ter ficado na gaveta por anos antes de ser vendida a uma editora e pelo detalhe de metade do livro ter sido reescrito antes de publicado. A identificação do leitor com os personagens e os temas da história é inevitável, e grande parte do sucesso do livro se deve à propaganda de leitores que o recomendam a amigos, parentes e colegas de trabalho. Na edição brasileira da obra, foi reproduzido um depoimento de Isabel Allende elogiando os méritos do livro. E o ator Lima Duarte fez um merchandising espontâneo para o livro numa das cenas da telenovela global Belíssima.

Khaled Hosseini, o autor, nasceu em 1965 em Cabul, no Afeganistão, mas vive nos Estados Unidos desde 1980. Como vários outros escritores, é médico e aproveitava as horas vagas para escrever. Foi nesses intervalos que surgiu O Caçador de Pipas, um fenômeno de vendas nos Estados Unidos desde o seu lançamento em 2003 e nos vários países em que foi traduzido. No Brasil, conseguiu o excelente feito de desbancar o pseudo-romance O Código da Vinci. Se você ainda não leu este livro, procure a livraria mais próxima e o compre. Ou mesmo procure a videolocadora e alugue o filme. Como o texto de Hosseini é bastante pessoal e memorialista, o filme não conseguiu transpor todos os meandros e sutilezas encontrados no livro. Como todo filme baseado em livro, aliás. Mas não deixa de ser um vídeo emocionante e o mais fiel possível ao livro. A satisfação e o prazer são garantidos.

*Walter Dos Santos é um jornalista apaixonado por Cristo e pela literatura que mantém o Portal Escrivão Caminha (escrivaocaminha.blogspot.com). A reprodução deste texto é autorizada desde que seja mencionado este crédito.
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