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quinta-feira, 11 de junho de 2015

Sobre a ordenação de mulheres ao pastorado


por Walter Mendes

Em resposta a uma foto que publiquei no Facebook em favor da ordenação de mulheres ao pastorado adventista, um amigo me recomendou assistir a um vídeo postado na página da TV Terceiro Anjo no YouTube. Como quase todos os adventistas sabem, a ordenação de mulheres ao pastorado será votada em julho próximo no Texas (EUA) durante a 60ª Conferência Geral 2015 da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

O que se segue abaixo são uma resposta aos argumentos apresentados no vídeo postado na página da TV Terceiro Anjo no YouTube.

Em primeiro lugar, o pastor cita o texto paulino de 1 Timóteo 2:12-13, em que lemos que a mulher não deve exercer autoridade sobre o homem:

"E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio. Porque, primeiro, foi formado Adão, depois, Eva."
– 1 Timóteo 2:12-13, ARA

Mulheres têm tido um papel fundamental no ensino da Bíblia e pregação do evangelho na Igreja Adventista do Sétimo Dia desde sua fundação em 1863. A começar pelo ministério de uma de seus 3 fundadores, a saber a americana Ellen G. White. Elas ensinam crianças, jovens e adultos nas Escolas Bíblicas Sabatinas, além de pregarem regularmente nos púlpitos de diversas igrejas locais.

Há mulheres anciãs (presbíteras, conforme a nomenclatura de outras igrejas) em diversas igrejas locais mundo afora, incluindo no Brasil. Há mulheres pastoras em algumas regiões dos Estados Unidos, na Holanda, partes da Alemanha e em toda a China, mas elas (ainda) não são ordenadas oficialmente dentro do Adventismo. Contudo, diaconisas são ordenadas oficialmente na Igreja Adventista do Sétimo Dia desde 2010.

Se a interpretação bíblica do pastor do vídeo está correta, devemos então rejeitar o ministério e as publicações de Ellen G. White, uma mulher que exerceu e exerce autoridade sobre os homens adventistas desde 1844. E isso não é força de expressão: a história do Adventismo mostra que ela já confrontou presidentes de associações locais e da Conferência Geral em seus dias para que abandonassem erros pessoais e administrativos.

Igualmente deveríamos ser coerentes como outras igrejas evangélicas fazem ao interpretar literalmente esse texto, não permitindo que a mulher tenha qualquer cargo na Igreja exceto o de professora de crianças na Escola Bíblica. Uma mulher que pregue na igreja local, tenha qualquer cargo de liderança em qualquer departamento ou seja professora de qualquer classe de Escola Sabatina está exercendo autoridade sobre os homens debaixo dela.

Segundo ponto: é verdade que Paulo diz que os anciãos e pastores devem ser maridos de uma só mulher (1 Timóteo 3:12; Tito 1:5-9), outro argumento bíblico usado pelo pastor do vídeo. Mas o assunto em questão é que o líder cristão não deve ser polígamo – algo comum nos tempos do Novo Testamento. Não se trata de uma qualificação 'sine qua non' que exclua a liderança feminina, permitindo o ancionato ou pastorado apenas para homens cristãos. Do contrário, devemos ser coerentes e descartar a prática adventista de separar homens solteiros e viúvos para o ancionato ou o pastorado – pois essa é a leitura mais literal do texto.

Terceiro, Deus não criou Adão e Eva para que um dominasse sobre o outro, como sugere o pastor no vídeo. O texto de Gênesis é bem claro ao dizer que ambos carregavam em si a imagem de Deus (1:26-27) e que a mulher seria uma auxiliadora do homem (2:18) – uma igual a ele. É muito bonito a forma como Ellen G. White explica esse texto no "Patriarcas e Profetas", págs. 18-19:

"O próprio Deus deu a Adão uma companheira. Proveu-lhe uma 'adjutora' — ajudadora esta que lhe correspondesse — a qual estava em condições de ser sua companheira, e que poderia ser um com ele, em amor e simpatia. Eva foi criada de uma costela tirada do lado de Adão, significando que não o deveria dominar, como a cabeça, nem ser pisada sob os pés como se fosse inferior, mas estar a seu lado como igual, e ser amada e protegida por ele. Como parte do homem, osso de seus ossos, e carne de sua carne, era ela o seu segundo eu, mostrando isto a íntima união e apego afetivo que deve existir nesta relação." 

A submissão da mulher ao homem veio apenas com a entrada do pecado em Genesis (3:16), não sendo parte do propósito original de Deus. Paulo diz em Gálatas 3:28 que na nova ordem trazida por Jesus não há diferença entre homem e mulher, entre judeus e gentios, entre escravos e livres. Defender o contrário é defender um machismo disfarçado em busca de respaldo na Palavra de Deus.

"Todos vocês são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus, pois os que em Cristo foram batizados, de Cristo se revestiram. Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus."
– Gálatas 3:26-28, NVI

Em quarto lugar, há certas coisas que podemos admitir sem que isso signifique reinterpretar a Bíblia ou deixar a ética de Deus num campo vago, como diz o pastor no vídeo. Primeiro fato negado pelo pastor no vídeo: a Bíblia foi influenciada pela cultura em que ela foi escrita sim e existe um ideal de Deus que não foi plenamente atingido no Novo Testamento. Por exemplo, os cristãos não devem aceitar hoje a poligamia (por mais que não houvesse um mandamento contra ela no AT) nem a escravidão (mesmo que ela não fosse combatida com todas as letras no NT). Tais práticas vão contra o ideal de Deus no Éden e contra o espírito do Evangelho, mesmo que não haja um mandamento expresso contra a poligamia e a escravidão.

Segundo fato negado pelo pastor no vídeo: certas normas foram dadas apenas a uma situação local do povo de Deus. Igualmente acreditamos que não são válidas para hoje ordens como aquelas para o uso do véu na igreja (1 Coríntios 11:3-16), para as mulheres ficarem caladas na igreja (1 Coríntios 14:34-35) ou para nos saudarmos com “ósculo santo” (Romanos 16:16; 1 Coríntios 13:12; 16:20; 1 Tessalonicenses 5:26; 1 Pedro 5:14). Esse “ósculo santo” seria um beijo no rosto de saudação entre homens e entre mulheres, tal como é feito na Argentina ou na França. Apesar de estarem em diversas cartas do Novo Testamento, tais ordens não são princípios universais a serem seguidos por todos os crentes de todas as épocas e todas as culturas.

Em quinto lugar, chega a ser intelectualmente desonesto e blasfemo à Palavra de Deus comparar um princípio moral, universal e explícito na Bíblia como a guarda do sábado com uma questão cultural, local e sem respaldo a favor ou contra nas Escrituras como a ordenação de mulheres, como faz o pastor desse vídeo. Além de ignorar princípios elementares de interpretação da Palavra de Deus, o pastor do vídeo ignora que os adventistas sempre fizeram a separação entre princípios e mandamentos de aplicação universal e ordens de aplicação restrita e cultural.

Por exemplo, os adventistas guardam o sábado conforme exigem os Dez Mandamentos (Êxodo 20:8-11), mas não apedrejamos nem condenamos quem acenda fogo nesse dia (Êxodo 35:3; Números 15:32-36) – a Bíblia manda fazer as duas coisas. Igualmente não deixamos de condenar o adultério (Êxodo 20:14) pelo fato de não apedrejarmos os adúlteros (Levítico 20:10) – a Bíblia ensina ambas as coisas. Também não deixamos de ensinar o dízimo aos membros em nossos estudos bíblicos (um princípio que cremos ser universal) apesar de a Bíblia descrever que o dízimo era entregue em 90% dos casos na forma de animais, vegetais e vinho (Levítico 27:30-33; Deuteronômio 12:17-18; 14:22-27; 2 Crônicas 31:4-7) levados ao sacerdote no templo – uma ordem local e temporal.

Sexto, é completamente desonesta a forma como o pastor do vídeo associa um possível voto a favor da ordenação de mulheres ao risco de uma futura ordenação de pastores gays ou pastoras lésbicas. Primeiro, não há relação alguma entre uma coisa e outra, como se uma levasse necessaria ou inevitavelmente à outra. Numa lista de 21 igrejas citadas por nome num site contra a ordenação de mulheres, podem ser contadas 11 igrejas que ordenam mulheres, mas não ordenam pastores gays ou pastoras lésbicas.

Além disso, podemos mencionar no mesmo caminho de ordenar mulheres mas não GLBT as igrejas batistas da Alemanha e da Suíça (Bund Evangelisch-Freikirchlicher Gemeinden e Bund Schweizer Baptistengemeinden), bem como diversas igrejas batistas americanas filiadas à Southern Baptist Convention (algumas apenas), à American Baptist Churches USA, à North American Baptist Conference, à Alliance of Baptists, à Cooperative Baptist Fellowship (CBF) National Baptist Convention e à Progressive National Baptist Convention. Sem contar diversas igrejas como as menonitas, morávias, presbiterianas (exceto a PCUSA), pentecostais e reformadas nos EUA e Europa que também ordenam mulheres sem ordenar ou querer ordenar pastores gays ou pastoras lésbicas.
Para encerrar esse ponto e partir para a conclusão, lembro que a IASD ordena pastores homens e pastoras mulheres em algumas regiões dos Estados Unidos, na Holanda, partes da Alemanha e em toda a China sem defender ou discutir a agenda ligada aos direitos dos gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis.

Finalmente, a IASD possui doutrinas bíblicas fundamentais estabelecidas (entre as 28) sobre matrimônio e família e sobre a criação. Além de uma declaração oficial clara contra a prática do homossexualismo. Isso não acontece com as denominações citadas no vídeo que apoiam/defendem a agenda ligada aos direitos dos gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis.
Ao contrário dos anglicanos, luteranos evangélicos, episcopais e metodistas unidos dos EUA, citados no vídeo, os adventistas do sétimo dia não somos uma denominação com um histórico de décadas de liberalismo teológico nem menosprezo ao método gramático-histórico – a abordagem adotada por nós e outras igrejas conservadoras na interpretação da Bíblia. (As denominacões citadas no vídeo e abertas a pastores gays e lésbicas usam o método histórico-crítico.)

As Divisões Norte-Americana e Trans-Europeia citadas no vídeo não reinventaram a roda ao fazer sua interpretação pró-ordenação, nem estão se desviando da interpretação correta ou tradicional da IASD. Elas apenas estão seguindo o método de estudo e interpretação das Escrituras segundo a declaração aprovada e votada pela Comissão Executiva da Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, na sessão do Concílio Anual no Rio de Janeiro, Brasil, 12 de outubro de 1986.

O que está em jogo na votação a favor ou contra a ordenação de mulheres não é uma divisão entre o Assim Diz o Senhor versus o Assim Querem os Adventistas Rebeldes, mas entre o Assim Diz o Senhor versus o Assim Defende nosso Costume e Tradição Humana.
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